Vendas
em alta, possibilidade de inclusão
no Moderfrota e a chegada da aeronave
a álcool podem alavancar a aviação
agrícola brasileira, a segunda
maior do mundo.
Os ventos parecem estar se voltando
a favor da aviação agrícola
brasileira. O País que detém
a segunda maior frota do mundo de aviões
para esse fim - cerca de mil aeronaves
- está, na realidade, muito atrás
do concorrente agrícola Estados
Unidos, que desfrutam do trabalho de
6 mil aparelhos (além de 400
helicópteros). Há três
razões para a possível
virada: o avião poderá
ser incluído no Moderfrota a
partir de 2004; a única empresa
nacional, a Neiva, de Botucatu/SP, vendeu
133% a mais em 2003 em relação
a 2002 (56 unidades, o melhor resultado
em 25 anos); e vem aí a aeronave
a álcool, cuja despesa anual
ao produtor fica em apenas 43% da gerada
pela movida a gasolina. Somada às
importações, o Brasil
ampliou sua frota em 10% este ano.
Já é hora de reagir,
pois algumas comparações
à agricultura norte-americana
deixam claro que a brasileira ainda
engatinha na aviação agrícola.
Os norte-americanos cobrem, por meio
deste serviço, 121 milhões
de hectares por ano (a área refere-se
ao acumulativo de pulverizações).
São aplicados por avião
65% dos herbicidas, fungicidas e inseticidas
comercializados naquele país.
No Brasil, além de não
haver estatísticas confiáveis,
estimativas dão conta que apenas
6% da área agrícola é
sobrevoada, o que equivale, no somatório
de pulverizações, a no
máximo 16 milhões de hectares/ano.
Há portanto, muito céu
pela frente. "Analisando-se o futuro
do agronegócio brasileiro, que
é muito promissor, existe um
espaço muito grande para o crescimento
da aviação agrícola",
destaca Eduardo Araújo, diretor-técnico
do Sindicato Nacional das Empresas de
Aviação Agrícola
(Sindag), sediado em Porto Alegre/RS.
"Há estudos que indicam
a necessidade de, pelo menos, o dobro
dos aviões nos próximos
anos."
Um dos grandes entraves para a "popularização"
da aeronave agrícola no Brasil
é a dificuldade de aquisição.
Afinal, um aparelho zero-quilômetro
custa US$219 mil. Os produtores do Brasil
Central têm à disposição
o Fundo Constitucional do Centro-Oeste,
que oferece condições
de prazo e juros facilitados. Mas quem
produz no Sul ou no Sudeste precisa
sacar todo o investimento do próprio
bolso. Não por acaso, das 56
máquinas comercializadas pela
Neiva, apenas uma destinou-se às
duas regiões - vendida para São
Paulo. Apesar do preço elevado,
é bom lembrar que o avião
custa o equivalente a uma colheitadeira.
Portanto, por que também não
pode ser incluído no financiamento
do BNDES?
O Projeto de Lei n. 1.435, de julho,
de autoria do deputado Wilson Santos
(PSDB/MT), solicita a inclusão
do avião no Moderfrota 2004 (para
aquisição e modernização).
"O avião propiciará
aos agricultores, tantos àqueles
responsáveis por grandes áreas
de produção quantos aos
interessados no seu uso sob forma de
condomínio, maior acesso ao importante
recurso tecnológico, contribuindo
para o incremento da produtividade e
para a redução dos custos
de produção", justificou
a relatora do projeto, deputada Kátia
de Abreu (PFL/TO), ao dar seu parecer
favorável e encaminhá-lo
à votação. Agora,
a inclusão no Moderfrota está
nas mãos de deputados e senadores.
Paralelamente ao projeto do deputado
mato-grossense, o parlamentar Luiz Carlos
Heinze (PP/RS) encaminhou ao Poder Executivo
um requerimento sua inclusão
no Moderfrota e também no Finame
Agrícola Especial. "O ministro
Roberto Rodrigues (Agricultura) demonstrou
vontade política. Mas daqui até
acontecer, é muita coisa",
argumenta Heinze. "Somos favoráveis.
A hora que chegar a proposta para mudar,
não vamos ser contra", assegura
Edilson Guimarães, diretor de
Economia Agrícola da Secretaria
de Política Agrícola,
vinculada ao Ministério da Agricultura.
Ele adverte, no entanto, que a inclusão
depende da aprovação pelo
Congresso.
Faltou avião no mercado - A
capitalização do produtor
nacional levou a Neiva a ser obrigada
a rejeitar pedidos em 2003. Segundo
Fabiano Zaccareli Cunha, gerente comercial
da empresa, as 56 unidades comercializadas
representam um incremento surpreendente
de 133% sobre as 24 entregues em 2002.
Cunha revela que a previsão era
produzir as mesmas 24 unidades. Mas
se a empresa a suas fornecedoras contassem
com condições estruturais,
teriam vendido 70 aeronaves. "Não
tivemos condições de atender
o mercado. Dobrar já foi complicado",
sintetiza o executivo. "O produtor
está com dinheiro".
Ele acrescenta à explicação
para o boom duas outras razões:
o temor do produtor à ameaça
da ferrugem da soja, uma doença
que, quando ataca, se propaga em alta
velocidade pela lavoura; e o volume
de chuvas de 2002, que por vezes prejudicou
a atuação terrestre. O
desempenho de 2003 da empresa, que é
subsidiária da Embraer, só
foi inferior ao de 1976, com 74 vendas,
e ao de 1978, com 72. Para 2004, prevê
Cunha, serão mais 50 a 60 vendas.
"Existe a possibilidade de até
mais". Um Ipanema a gasolina custa
US$ 219 mil, cerca de R$ 635 mil, com
o dólar cotado a R$ 2,90.
A álcool, para revolucionar
- Para 2004, a novidade deverá
ser o Ipanema a álcool. A empresa
aguarda para uma questão de semanas
por parte do Centro Tecnológico
da Aeronáutica (CTA) a homologação
da nova aeronave. "Está
tudo pronto. Tudo o que nos foi pedido
foi cumprido", esclarece Cunha.
Ele prevê que em 15 de dezembro
o avião esteja liberado. A versão
a álcool custará mais
caro, US$ 232 mil (R$ 673 mil, atualmente),
pois exige aço inoxidável
como proteção à
ferrugem dentro do tanque - além
do projeto ter exigido US$ 400 mil.
E o consumo de combustível também
é maior.
Mas a grande vantagem é a economia
de utilização para o proprietário.
Segundo cálculos da Neiva, a
despesa direta por hora de trabalho
do avião a gasolina é
de R$ 278, enquanto o álcool
faz a mesma função por
R$ 116. Num ano com 400 horas de vôo,
segundo esse estudo, a diferença
será de R$ 111.200 para R$ 48.400.
A explicação é
a significativa diferença no
preço dos dois combustíveis:
o litro da gasolina de aviação
custa R$3,90 e o do álcool R$
1,40. E o desempenho da máquina
a álcool é ainda 5% superior.
A Neiva já está se preparando
para fazer a conversão dos motores,
a um custo de US$# 15 mil. Serão
possíveis 50 conversões
por ano.
O Ipanema, apelidado de Ipanemão,
chegou ao mercado em 30 de julho de
1970, lançado pela Embraer, que
passou a produzi-lo em definitivo dois
anos depois. Hoje a aeronave corresponde
a aproximadamente 80% da frota nacional.
Os demais são importados, especialmente
dos Estados Unidos. Segundo o Sindag,
normalmente são trazidas máquinas
baratas, que custam de US$ 40 mil a
US$ 50 mil. São, porém,
aparelhos sucateados, com mais de 20
anos de uso, que exigem até US$
40 mil em reformas e adaptações
para seguirem em ação.
Subcontratação de serviços
- comprar um avião que custa
cerca de 16 mil sacas de soja é
um privilégio de poucos. Por
isso, resta aos demais a subcontratação
de serviços de uma das 250 empresas
de aviação agrícola
distribuídas pelo País.
Os preços variam de região
para região, conforme a aplicação
e o tamanho da área. Quanto menor
a área, menor o preço.
A Taim Aeroagrícola, de Rio Grande/RS,
por exemplo, cobra R$ 18 a R$ 19 por
hectare pasra herbicida, enquanto o
inseticida e fungicida saem em torno
de R$ 20. E o plantio de arroz pré-germinado,
R$ 63. "Aqui na região,
o que for necessário fazer, é
feito com avião: semeaduras,
adubação, herbicida, fungicida,
inseticida", explica Alan Sejer
Polsen, um dos sócios da empresa.
O ganho de tempo é o principal
benefício do uso da aviação
agrícola. Uma aeronave pode pulverizar
de 60 a 80 hectares por hora. Para interceptar
uma doença ou praga que se alastra
com rapidez, o avião constitui-se
na única arma eficiente. "É
o efeito oportunidade", define
Araújo, do Sindag. "Tem
de atacar as pragas o mais rápido
possível", prossgue. "Além-disso,
todos os aviões são guiados
por GPS (posicionamento global por satélite),
o que lhes confere uniformidade de aplicação.
O professor de máquinas e mecanização
agrícola da Universidade Federal
de Lavras/MG (UFLA), Wellington Pereira
de Carvalho, menciona, como vantagem
em eficiência na aplicação
aérea, a maior velocidade do
avião em relação
ao mecanismo terrestre. Dessa forma,
o volume da calda despejada pelo equipamento
aéreo pode ficar em até
1% da pulverização terrestre.
Isso significa maior economia de produto,
mais segurança e ambiente preservado.
"A tendência é trabalhar
com volumes menores", justifica
Carvalho. "O mesmo produto, quando
em volume menor, se torna possível
aprimorar a aplicação",
acrescenta.
Outra vantagem de pulverização
pelo alto é evitar o amassamento
da cultura e a compactação
do solo, além de não propiciar
o "intercâmbio" de doenças
ou pragas entre lavouras - que podem
ocorrer via pneus dos equipamentos terrestres.
Segundo números do Sindag, há
estudos que apontam que de 6% a 7% da
soja pode ser esmagada pelos rodados.
No caso de 6% de perdas, numa plantação
que rende 3 mil Kg/ha, seriam três
sacas de 60 kg perdidas, ou R$ 120.
O professor Carvalho considera as estatísticas
sobre perdas por amassamento um tanto
imprecisas ou variáveis, mas
lembra que a Embrapa Soja estima esse
prejuízo, no caso da oleaginosa,
entre 2% e 5%.
Por força da legislação,
cada aeronave agrícola precisa
ter o acompanhamento de um engenheiro
agrônomo e de um técnico
agrícola, ambos com formação
específica no serviço.
Não deixa de ser um privilégio,
pois essa situação normalmente
não se verifica no caso de pulverizadores
terrestres. Um recente estudo da Unesp/Botucatu/SP,
feito no Paraná, constatou que
quase 80% das dosagens em pulverizadores
terrestres estavam erradas - entre outros
equívocos. "O agricultor
está comprando toda a tecnologia
embarcada", argumenta o professor
Carvalho. E vale lembrar que a pulverização
aérea, naturalmente, elimina
a necessidade da terrestre e seus conseqüentes
custos. Só em óleo diesel,
economiza-se cerca de 6 a 7 litros por
hectare. Além de diminuir a mão-de-obra.
Contra um pulgão, só
um avião - Os 12.400 hectares
de soja, 7.600 de algodão e 5
mil de milho safrinha das fazendas Marabá
e Vertente, de propriedade de José
Pupin, em Campo Verde/MT, são
tratados por dois Ipanemas. Ao todo,
somando-se as diversar aplicações,
são 140 mil a 150 mil hectares
pulverizados/ano. A um autopropelido
são restringidas a atuação
em áreas próximas a outras
propriedades e a dessecação
para o plantio direto. "É
vantajoso pelo rendimento de área",
justifica o engenheiro agrônomo
Amarildo Padilha, administrador das
fazendas. "Com uma área
destas, como se iria pulverizar sem
avião?", questiona.
Pelos cálculos dele, incluindo-se
custos fixos (como a depreciação
e manutenção dos equipamentos),
o dispêndio por hectare fica entre
R$ 10 e R$ 11. No caso de serviço
subcontratado, em sua região,
o hectare gira de R$ 16 a R$ 18. Padilha
descreve que os aviões cobrem
as seguintes áreas por dia de
trabalho (cerca de 6 horas por jornada):
para vazão de 10 litros de defensivo
por hectare, algo em torno de 800 hectares;
20 litros/ha, 600 a 700 hectares; 30
litros/ha, de 450 a 500 hectares. O
agrônomo explica que a pulverização
está restrita ás horas
de temperatura mais amena e com humidade
relativa do ar mais alta - das 6 h às
9 h e das 1h30 às 18 h).
Padilha considera vital a pulverização
aérea para conter pragas agilmente
devoradoras, como o pulgão do
algodoeiro. Segundo ele, assim que for
constatada a alta infestação
do inseto, os aviões decolam.
"Tem de entrar imediatamente. E
para isso é preciso a agilidade
do avião." Num dia, os dois
Ipanemas atacam mais de 1.000 hectares.
De acordo com o engenheiro, apenas a
região de Campo Verde cerca de
80% da área agrícola é
coberta por aviação agrícola.
Para dias chuvosos - A Sementes Carolina
utiliza dois aviões Ipanema próprios
para pulverizar os 60 mil hectares que
produz ao ano (10 mil, dos quais na
safrinha), em Rondonópolis e
em Primavera do Leste, em Mato Grosso.
O departamento técnico da empresa
informa que as aeronaves são
usadas preferencialmente para o controle
de percevejo e de doenças de
final de ciclo. Cada avião faz
em média, 60 hectares por hora.
O custo do avião na Sementes
Carolina fica entre meia e uma saca
de soja por hectare. "A principal
vantagem é o alto rendimento
da aplicação", destacam
os técnicos. "Em épocas
chuvosas, quando não se consegue
centrar com pulverizadores, o avião
é altamente competitivo e eficiente."